O Nascimento da Serena 12.08.2021 (Pais Matina & Gustavo)
Antes de saber que começou!
Era inverno europeu, dezembro nas montanhas da Serra do Caramulo e num dia de sol eu entrei na água gelada! Porque eu precisava, sentia falta da água, do ar e do choque da vida. Afinal, estávamos há 10 meses vivendo uma pandemia, isolamento e medo! Muito medo.
A nossa mudança de vida para as montanhas foi vital para a nossa sobrevivência, e foi lá! No meio do mato, entre águas gélidas, neblinas, cabras e carvalhos, que decidiu chegar a Serena.
Eu já estava grávida, mas não sabia. Nesse dia, agradeci a vida por ter feito escolhas que me levaram a estar ali e poder finalmente respirar. Mal sabia eu que também estava agradecendo a muito mais.
Eu falo do meu lugar de privilegio, com um companheiro estável, que me apoiou toda a gestação, com comida na mesa, luz, água e aquecimento na casa. Com acompanhamento médico no público e também particular. Com uma gravidez planeada e desejada e com muito amor no coração.
Falo desse lugar…e me imaginava (antes de engravidar) uma grávida radiante, sonhadora e emotiva. A realidade foi oposta, fui sim radiante pois fisicamente estava saudável, mas a minha racionalidade era a liderança constante, e o sentimento que mais teve destaque foi o medo…
Antes de fazer o teste de farmácia já tinha a certeza que estava grávida (mas não queria acreditar na minha certeza…pois já havia tido essa certeza outras vezes e não estava grávida). Sentia enjoo, e acompanhava o meu ciclo com muita atenção, já estava uma semana atrasada…então fazia sentido. Descendo a serra senti um enjoo intenso e no mercado os cheiros mesmo com a máscara me incomodavam muito.
O medo já percorria a minha pele em constante lavagem com o álcool gel, o medo já cobria o meu rosto com a máscara, e o medo já tomava conta do peito, por todas as pessoas que eu amava estarem longe, sujeitas a um vírus assustador e sem vacina.
Fiz o teste e deu super positivo, minha reação imediata foi ‘ok, vamos fazer o outro para ter certeza, mas acho que é isso mesmo, estou grávida’ alegria e nervosismo. No dia seguinte o novo teste: ‘ é amor! Estou grávida’ uau que emoção, mas vamos marcar uma ecografia para ver se está tudo bem (descartar gravidez tubária, ou qualquer outro problema) e não vamos falar para ninguém! Se estiver tudo bem falamos só depois das doze semanas pois pode ser que a gravidez não vingue.
Surreal me olhar nesse lugar, foram tantos medos disparados na minha mente.. e esse foi só o começo. A gestação pra mim foi toda assim, mega contida e racional, sempre tentando antecipar possíveis desfechos negativos e preservar o meu emocional (tipo, sem me envolver…) doido não é!?
Acho que umas das coisas que me fez desencadear esses pensamentos foi a intimidade com o universo da gestação e maternidade. Sempre estudei muitos sobre isso, e conversei com muitas mães. Sei que a perda gestacional no primeiro trimestre é um fato super comum, sei que a mal formação é comum, sei que gravidez tubária também é comum, mas a maioria das pessoas não sabe… e isso faz talvez a gravidez ser mais leve? Ou traz medos de outro caráter (como: vou dar conta? Terei dinheiro? Terei apoio?…)
Os desafios da gravidez
A translucência nucal foi muito desestruturante pois tivemos um diagnóstico alarmante, com a grande probabilidade de trissomia 18 e trissomia 21 e para esclarecer tivemos que realizar o exame de biópsia da placenta.
Depois que recebemos o resultado alarmante da translucência nucal ficamos nos sentindo numa neblina (e o universo à nossa volta representava constantemente essa realidade). Pensando nisso hoje me lembro que em mim vinham dois pensamentos muito fortes. Um era a necessidade de independentemente de qualquer que fosse o resultado reconhecer e encarar o meu filho (queria vivenciar aquela gravidez, registrar o processo, perceber as alterações do meu corpo,e quando parisse gostaria de ver o meu bebé) não queria ‘virar o rosto’ para o que eu estava vivendo, pois tinha medo de perder a oportunidade de viver a gravidez, pois em mim surgia o pensamento de que talvez eu não tivesse outra oportunidade. E outro pensamento que vinha era de que caso houvesse algum problema e fosse necessário interromper a gestação, o parto poderia acontecer em qualquer hospital (sem nenhum tipo de apoio ou preparação para aquilo) e não haveria nenhuma diferença.
Infelizmente essa notícia fez que todo o processo de idealização da gravidez, e de vinculação com o bebé ficasse comprometido. Meu companheiro entrou em um processo de luto, acreditando que teríamos que interromper a gestação.
Eu, mais uma vez fui dominada pela minha racionalidade, não me permiti nem me entregar à tristeza do luto, nem me agarrar em nenhuma promessa de fé, ou ilusão de que tudo ficaria bem. Simplesmente pedi ao universo tranquilidade para lidar com o que quer fosse o resultado e coragem para não deixar de registrar a evolução da gestação e apreciar as transformações do meu corpo.
Até à realização do exame de retirada de um pedaço da placenta faltava uma semana, e o resultado do exame sairia em provavelmente nuns 10 dias…ou seja, mais de 15 dias de incerteza e todas as dores e medos que vêm com esse cenário.
Felizmente o resultado do DNA da placenta demonstrou que estava tudo bem e que eu gestava uma menina. Mas, a marca desse medo ficou cristalizada e não saia do nosso peito, como se tivéssemos um eco interno constante questionando ‘Está tudo bem mesmo!?’
Durante toda a gestação, que foi muito saudável, eu me sentia pouco envolvida, tive dificuldade de mergulhar no meu corpo e sentimento. Era tudo muito abstrato.
Um dia, durante o quinto mês de gestação decidi que faria uma série de desenhos para colorir, para ir me conectado com minha bebê e para ir me preparando para o trabalho de parto… e foi assim que nasceram as minhas mandalas.
Foi um processo tão lindo! De conexão, oração, meditação e apropriação do gestar que transformou totalmente minha experiência.
Hoje pensando sobre isso fiquei muito triste, pensando no desamparo que eu teria sentido se tivesse que interromper a gravidez dessa forma. Quis correr lá no passado e dizer pra mim: ‘Olha Matina, independente do desfecho dessa gravidez você é mãe, esse bebé que você está gerando será para sempre seu filho. E a chegada dele ao mundo vai te marcar pra sempre. Pense em como você gostaria de recebê-lo, como você gostaria de cuidar dessa passagem? Afinal, você vai viver um rito de morte em um processo que deveria ser de vida, e isso é algo muito difícil, mas também é algo que vai além do seu controle, e dentro dessa realidade a única coisa que você pode controlar é como se preparar para lidar com isso da melhor forma possível.’
O gestar, parir e maternar são por natureza processos muito solitários. Mas passar por tudo isso em meio a uma pandemia torna tudo ainda mais dramático.
Se alguém me dissesse que eu engravidaria e pariria longe da minha família em meio a uma pandemia eu diria ‘você não me conhece mesmo, isso nunca vai acontecer comigo’ Ainda bem que ninguém me disse isso, porque teria sido um cuspe pra cima…que cairia bem no meio da minha testa!
Eu sou uma pessoa que adoro conversar, conversar de verdade, partilhar medos, alegrias, dúvidas.. sempre amei falar sobre a gravidez e suas realidades, refletir sobre toda a revolução que isso provoca na mulher, e todas as mudanças que ocorrem também no homem, o processo de morte da mulher e nascimento da mãe, tudo isso…tanta coisa! E me vi só, transbordando de questões e sem a roda de amigos para conversar, os jantares em casa até altas horas, os carinhos de amigos na barriga que gestava minha filha, os abraços e choros compartilhados.
Ainda bem que tinha meu parceiro, que abraçou o processo da gestação e se permitiu sentir todas as transformações…mas fora isso, foi um processo muito muito solitário, silencioso e meditativo, de muitas caminhadas na natureza e contemplação das transformações em mim a partir de uma série de auto retratos. Sim, quase todas as fotos que vocês verão por aqui são auto retratos, usei e abusei do timer e fui minha melhor amiga nesse período.
Eu me defino como uma super controladora, sou uma pessoa que lido bem com imprevistos, gosto de improvisar, e não tenho planos rigorosos para quase nada! Porém, me preparo para as coisas, estudo, penso (penso demais) e principalmente antecipo possíveis desfechos (positivos e negativos). Sou uma pessoa da produção e minha mente não descansa e isso é uma receita desastrosa pra grávida, pensava demais sobre quase tudo e tinha em mim a sensação de que isso me atrapalharia muito na hora de parir, sentia que precisava confiar, mas para mim era muito difícil esse exercício de confiança.
Na minha vida sempre tive pessoas em quem confiar, amor e suporte mas também tive o abandono de pai muito marcante, que determinou em mim desde muito nova a necessidade de me garantir sozinha e criou uma defesa de precisar ter as coisas sobre controle.
Durante a gravidez tive que construir minha confiança e caminho de entrega de forma ‘controlada’, estudei muito para estar segura das escolhas que estava fazendo, fiz terapia, trabalhei muito meus medos com a minha doula, conversei muito com meu companheiro e com a minha mãe e a cada aprofundamento no estudo sentia que pesavam ainda mais as minhas escolhas, pois elas eram muito fundamentadas mas não eram as mais fáceis diante da sociedade.
Sentia que o único controle que eu tinha era o de me preparar, estar flexível para mudanças de planos e aceitar que não é possível controlar a vida, a vida e tudo que ela engloba, inclusive a morte.
Foi uma jornada intensa, um mergulho interno muito profundo, percebi que racionalmente confiava no meu corpo, no corpo de mulher, que sabe parir e que isso era meu alicerce, sentia que precisava retratar esse corpo, venera-lo, me descobrir nessa potência natural, mas também percebi que não era possível em mim uma fé cega, uma confiança absoluta, um entrega sem conhecimento.
O processo de gravidez mexe em tudo dentro de nós, não só altera nosso corpo, como faz um rebuliço na nossa mente e na organização da nossa vida. Entram mil sonhos e projeções em ação… além dos medos concretos e os medos absurdos…tudo é demais e ao mesmo tempo nada efetivamente mudou ainda. A gravidez para mim, dá essa sensação abstrata, a pesar de concretamente ter um ser crescendo em seu ventre, uma barriga que fica enorme e se mexe, um peito que incha…ainda assim, é abstrato, surreal, onírico.
Na nossa concha estávamos vivendo o encantamento com as transformações do corpo, explorando nossas memórias como filhos, construindo nossos desenhos de como ser pais e lidando com um medo enorme…como vamos ficar com a chegada de mais um!? Nossa rotina tão harmoniosa e azeitada ao longo de 14 anos de relacionamento como vai reagir com a chegada de um novo indivíduo, será que produziremos uma pérola? Será que desencaixaremos nossa engrenagem e criaremos ruídos na nossa relação? Muitas angústias nasciam nesse processo tão intenso de gestar.
Eu sentia necessidade de compartilhar essas angústias, mas como falei era um período solitário. Tínhamos muitos fantasmas em nossa mente, diversos amigos que acabaram relacionamentos com o nascimento dos filhos e a clareza de que não é nada fácil, se relacionar e ainda por cima criar um ser humano.
Nossas estratégias para lidar com os medos foram investir em terapia, conversar muito um com o outro e ter a clareza que é uma jornada com seus altos e baixos e que precisamos atravessar juntos, sendo suporte um para o outro. É um trabalho constante e infinito. Que bom que pudemos fazer esse investimento, sei que não é a realidade de muitos.
Durante a minha gestação quis muito revisitar a gravidez da minha mãe, saber como foi, o que sentiu, o que viveu…quis ouvir o relato do meu nascimento, quis me sentir filha nascendo novamente. Quis também a presença da minha avó, chamei a para esse plano, falei muito com a minha mãe sobre o nascimento dela, e pensamos sobre o que minha avó poderia estar vivendo e sentindo.
Sempre sonhei que minha avó me veria grávida e a teria minha filha nós braços. Sei, que se estivesse viva estaria muito contente com o nascimento da nossa filha.
Os relatos e presenças dessas imagens estavam em minha cabeça constantemente. E também o pensamento de que o papel de filha deixava de ter destaque e abria lugar para um novo personagem: mãe.
Precisei representar na minha mandala a bênção da minha avó na minha barriga, o colo gostoso que recebi dela enquanto bebé, a força da minha mãe grávida de mim e o suporte dela em meu peito, dando a certeza de que meu corpo era capaz de parir e que a ancestralidade de mulheres que pariram antes de mim, estava aqui para ser meu suporte.
Essa foi uma das mandalas que mais me emocionou fazer e colorir, simbolizou tantas coisas e me fez um bem enorme. Me trouxe força, presença, aconchego e acolhimento. Acalmou meu coração e meu corpo, me deixou mais próxima da força e entrega de parir.
Depois de tantos sustos, medos e tantas, tantas reflexões estava em fim, curtindo a minha gravidez e me conectando com a minha bebê através das mandalas, uma criação que nasceu dessa necessidade de tornar concreto esse processo de gestar que pra mim ainda estava tão surreal.
Cada desenho funcionava como uma carta, uma oração e bênção para ela e para mim! Era nosso momento de pausa, encontro e amor.
Foi a partir dessas linhas, cores e tempo, que entrei no processo de confiança e entrega que parir e maternar exige.
O Parto
Era Agosto, e depois de um mês de muito trabalho eu só agradecia de não ter parido no meio do caos do Festival, era uma semana de espera e descanso, estava degustando os dias, curtindo a barriga e me despedindo dela. Deliciando-me com a transformação do meu corpo, saudando tanta potência, assistindo bastantes filmes de parto, nem sei quantos partos eu vi me preparando para parir.
O Gustavo, a minha mãe e eu nos preparávamos para o desejado parto em casa, mas também para a possibilidade de ir para o Hospital caso a nossa equipe assim o decidisse. Era a reta final da gravidez!
Nas paredes da sala estavam penduradas minhas mandalas gestadas, e na visita da enfermeira Sónia em nossa casa ela disse: “Agora falta o desenho do momento do parto, não acha?”. E era mesmo só o desenho que faltava, assim que a enfermeira saiu da nossa casa comecei a desenhar, a sensação que me deu ao fazer esse desenho era que eu tinha que correr, pois tinha medo de não acabar a tempo!
Esse foi um desenho de mentalização, um registo do meu desejo em forma de imagem para me dar força e me preparar para concretizar aquela imagem. Nela traduzi o físico e o espiritual que considerava necessário para ter o meu sonhado parto dentro da água, com o suporte do Gustavo e apoio das nossas mães. E foi quase, quase desse jeito mesmo que a Serena nasceu.
É mágico revisitar esse momento quase um ano depois, rever-me nesse lugar, estar de novo trabalhando nesse festival… tanta história já aconteceu, a vida já se transformou completamente, e cada detalhe daquele momento me traz mais aprendizagens. Me faz pensar no que diz a Naoli @naolivinaver_portugues , de como o parto diz coisas sobre como será aquele bebé.
Era a data prevista de parto e eu amanhecia sem perceber nenhum sinal da chegada da Serena. Nas paredes já estavam todos os desenhos, a piscina já à espera do grande momento, mangueira e toalhas compradas, sopa do dia do parto congelada, além de algumas comidinhas para o puerpério. Minha mãe se ocupava de lavar e pendurar todas as roupas, o Gustavo cuidava das comidas e trabalhava muito, e eu revisava a mochila da maternidade, o plano de parto, e preparava as roupas, fraldas e elementos que seriam importantes na chegada da Serena.
Ainda de manhã fui ao banheiro e percebi que havia saído o tampão mucoso, senti uma emoção nova mas sabia que a saída do tampão não indicava muita coisa. Informei a equipe e segui o dia normalmente, todos estávamos já na expectativa, mas nada de novo acontecia. Passei o dia tranquila, vendo filme, conversando e relaxando, era um dia lindo de verão mas não estava com vontade de sair de casa. O dia foi passando e eu achei que nada ia acontecer, foi só por volta das 22h que comecei a sentir uma pressão, tipo uma dorzinha meio chatinha nas costas, ela vinha e ia embora, falei com a enfermeira Sónia e ela me disse que isso eram pródromos, agora já sentia algo mais concreto acontecendo, realmente era uma dorzinha que vinha e passava, pequenas contrações. Por volta das 00h a dorzinha já estava mais evidente, ganhando mais força, falei com a enfermeira Sónia que me recomendou que eu tomasse um banho morno e tentasse deitar, o duche proporcionou um alívio às dores, mas depois do banho foi impossível deitar. Ficou definido que estávamos em Trabalho de Parto, comunicamos à enfermeira e à doula e ambas pediram que mantivéssemos o contato com a evolução e que iam descansar um pouco já que a madrugada prometia.
Assim, nesse primeiro momento estávamos só eu e o Gustavo começando essa jornada. O duche como aliado, a sopa sendo descongelada e a piscina aberta na sala, esperando o momento oportuno para ser enchida. Na minha cabeça eu só pensava que por enquanto estava tranquilo, e que maravilha que ela estava chegando!
Lidando com o controlo
A água quente do chuveiro batendo na lombar era um alívio para cada contração, eu tentava identificar se a barriga contraía mas não conseguia identificar, só sentia a dor concentrada nas costas. Ficava tentando controlar o ritmo das contrações apertando o bendito botão no aplicativo e aquilo acabava me gerando um stresse, será que apertei na hora certa? Ainda estou sentindo a dor…sei lá, uma necessidade de controlar tudo né (kkkk as controladoras se identificam!?). Desde a gravidez vinha trabalhando muito a capacidade de entrega, pois sabia que esse seria meu maior desafio no parto, e foram de fato, vários os momentos que precisei me consciencializar que estava tentando controlar demais.
Por volta das 2 a.m Gustavo sugeriu que acordássemos minha mãe, ela queria registar o trabalho de parto e estar comigo para me dar suporte. Me lembro do olhar dela para mim no chuveiro, com aquele brilho no olho e também aquele medinho, de ‘ai meu Deus, já começou’. Rapidamente ela já pegou a câmara e começou a registar, e me ajudar no controle das contrações.
As dores iam se intensificando mas o ritmo ainda era meio confuso, tinha intervalos de 5 e 3 minutos e duração também variada. No meu corpo eu sabia que já estava no trabalho de parto, mas a minha mente controladora tentava tirar a entrega do momento.
Além do chuveiro, usei muito a bola de pilates e o abraço do Gustavo em movimento quase de dança, o apoio dele era um alívio e acolhimento revigorante. Fora da água as dores eram muito mais desconfortáveis, e eu sentia a necessidade de um toque com pressão na lombar. Por volta das 4 a.m chegou a Ana João (Doula) , com uma energia radiante, vinha com joelheiras nas pernas e eu ri só de vê-la! A chegada dela foi ideal para todos, tínhamos alguém para nos apoiar nessa jornada tão intensa e nova para todos.
A chegada da Ana João trouxe outra energia para o trabalho de parto, até então estávamos indo muito bem, mas de certa forma estávamos todos receosos, porque apesar de estarmos preparados para vivenciar aquilo, e estava fluindo tudo muito bem, também era a nossa primeira vez, e estávamos mais ligados do que entregues. A Ana trouxe um ar de celebração, um toque de massagem que mudou a minha vida! E um amparo e suporte para o Gustavo e minha mãe.
Ela me fez tantas massagens e carinho entre uma contração e outra que eu quase quis que aquilo não acabasse nunca kkkk era um deleite receber tanto afeto e uma massagem intensa de alívio, depois de tantos meses carregando aquela barriga e aquele corpo em transformação.
Quando as contrações vinham mais fortes as vocalizações que ela fazia me ajudavam a ir para um tom mais grave, um respirar mais profundo, a aproveitar melhor o mergulho naquela onda (de dor mas também de prazer, do corpo que me proporciona a chegada da minha filha). Era como se a presença dela ali representasse para mim um tanque de oxigênio em um mergulho, possibilitou que eu relaxasse mais e finalmente começasse a curtir o parto.
Cerca de 30 minutos depois chegaram as enfermeiras Sónia e Carmen, da Razão d’Ser, aí eu pude relaxar mesmo (dentro do que meu controle permitia kkk) para mim a chegada da equipe era como se enquanto eu fazia meu mergulho houvesse na superfície um barco, pronto pra mim, de olho nos meus movimentos e como todos os recursos que eu pudesse precisar.
Com a chegada das enfermeiras verificamos o batimento cardíaco da Serena e a dilatação. Depois desse momento eu não me lembro das coisas com muita precisão, entrei na partolândia e o tempo entrou em outra dimensão.
Entre as 4:30 e 7:30 lembro de me revezar entre o chuveiro e a bola na sala, mas a maior parte do tempo estive no chuveiro. Senti que no chuveiro além de estar na água eu também podia reduzir os estímulos, ficava com a cara virada para a parede, e era ela (a parede) meu suporte. Quando chegavam as dores da contração eu pedia massagem na lombar, de um jeito bem objetivo: LOMBAR LOMBAR LOMBAR!! E nem olhava para o mundo lá fora…sabia que ao ouvir o meu chamado alguma mão vinha para me socorrer. Gustavo, minha mãe e a Ana João se revezavam para massagear minha lombar, mas pra mim era evidente quando era a doula que fazia a massagem (o nível do alívio era outro kkk).
Não sei qual foi a frequência de verificação dos batimentos da Serena, mas lembro de um momento maravilhoso, em que já estava me preparando para sair do chuveiro, a Sônia fazia a auscultação, e a doula colocou uma música linda que já nos vinha acompanhando desde a gravidez, quando ouvi essa música e vi minha mãe ambas caímos no choro, foi um momento lindo e poderoso, estávamos celebrando o feminino, a ancestralidade e nos preparando para a chegada da Serena. Me ver nos olhos da minha mãe naquele momento foi mágico.
Depois desse momento Sónia disse que eu já podia entrar na banheira, já eram cerca de 8h e o sol já iluminava a sala de estar e pensei: ‘que delícia, ela vai vir de dia, como eu queria’. Na parede via meus desenhos e ao entrar na banheira fixei meus olhos na mandala do parto! Me agarrei naquela imagem que via se tornar real a cada instante. Ao entrar na banheira senti imediatamente um enorme alívio, uma renovação total da disposição para continuar atravessando as contrações.
Olhando pela janela, via as árvores mexendo no vento e me sentia totalmente acolhida naquela água morna. Iniciamos a etapa final do parto e por mais que estivesse tudo fluindo muito bem ainda teríamos alguns desafios, pois ainda estávamos a algumas horas do fim…
Na banheira eu consegui descansar, entregar o peso do corpo para a água, mas ainda assim a cada contração precisava da massagem na lombar. Lembro de momentos lindos na banheira, de sentir a água sendo jogada nas minhas costas, de ter constantemente a mão e carinho do Gustavo e de receber dele massagens, carinhos e beijos. Ele sussurrou várias coisas no meu ouvido, e era bom demais ouvir sua voz e vê-lo tão entregue naquele momento! Depois de algumas contrações comecei a sentir a vontade de fazer força, era como se a contração agora fosse pra baixo, e era algo diferente, para lidar com essa nova ‘dor’ era preciso me reorganizar, precisava encontrar uma forma de vocalizar e de posicionar meu corpo que efetivamente me ajudasse, porque a sensação que eu tinha era de que o meu reflexo era de travar tudo…e não de deixar fluir. Estar na banheira era maravilhoso por um lado, mas por outro eu sentia que meu corpo estava relaxado e cansado demais para essa etapa final, era como se eu não conseguisse manter uma posição favorável por muito tempo. A cada puxo eu sentia como se tivesse um ‘cocô’ atrapalhando a saída da cabeça, e por causa disso sentia que tinha que controlar a força, senão parecia que ia me machucar, e assim fiz, fazia a força do puxo mas tentando não ir além, e sentia a cabeça vindo e voltando. Até que olhei para a cara de todos, e senti um certo peso de preocupação, Sônia me disse ‘O que acha da gente sair da banheira, acho que precisamos de alguma mudança’. Aquilo para mim foi um alerta, eu não queria sair da banheira, mas entendi que teria que fazer uma força extra. Sônia percebeu a minha intenção e disse: ‘Ok, então você precisa relaxar’. Entre um puxo e outro eu ‘aguardava’ em uma posição quase de alerta, pronta para a próxima, e com isso eu estava tensa, Sónia percebeu isso e me ajudou a realmente relaxar. Eu deitei na banheira e ela me balançou pelas pernas, aquela relaxada para mim foi tão profunda que eu dormi! Provavelmente foi por 2 minutos, mas pareceu uma eternidade. Voltei da soneca renovada e com capacidade de fazer força. Quando a vontade veio eu fiz força mesmo e depois de dois puxos finalmente a cabeça encaixou! Ufa.
Agora já estava quase, dava para sentir a cabecinha e os cabelos da Serena! Mas esse intervalo entre estar o bebé encaixado e finalmente nascer é o mais desafiador, está tão perto… mas ainda precisamos esperar o puxo, e quando ele veio eu fiz força, mas foi uma força com lindos sons, sons de prazer e realização. Acho que foi depois de mais uma força que a Serena chegou! Que susto, que emoção, que loucura! Veio direto para o meu colo, me olhou nos olhos, e eu a vi! Achei a cara do pai, ela perfeita, forte, corajosa. E eu me senti banhada de adrenalina, poderosa, pura força! Senti amor, muito amor, não pela minha filha, e sim por mim! Me amei mais do que nunca, me senti a pura potência, senti que não havia nada no mundo que eu não pudesse fazer.
No meio de toda essa explosão de hormonas, alegria e choro de emoção que nos rodeava senti uma exclamação de urgência “ o clamp, o clamp’ era a Sónia gritando para a Carmen, o cordão umbilical tinha lacerado e era necessário cortar a circulação do sangue por alí, pois o cordão é uma fonte de mão dupla, dá e recebe (se não se clampease naquele momento a Serena poderia perder sangue). Isso aconteceu no cordão porque a Serena vinha com o cotovelo na frente do rosto, e era essa ponta do cotovelo que eu estava sentindo como um ‘cocô’ (kkkk). Serena seguia no meu colo enquanto se cortava o cordão, secamos ela e a mantivemos aquecida. Sónia pediu que o Gustavo me ajudasse a sair da piscina, pois ainda tinha que nascer a placenta. Eu achava que conseguiria sozinha, mas ao levantar percebi que meu corpo estava exausto, apesar da enxurrada de adrenalina estava a 12 horas em trabalho de parto e não era capaz de sair daquela piscina sozinha. Que estranho, sair da água, sentir a barriga murcha, esvaziada, ser já mãe de um ser parido, e não de uma ideia! Surreal. Pari a placenta e saiu bastante sangue, tive uma laceração grau 3 e tive que tomar alguns pontos, depois de alguns instantes Serena estava de novo no meu colo, buscando o meu seio para mamar. Que mágico, poder viver tudo isso cercada de amor, tranquilidade e segurança na sala da minha casa.
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Vídeo:
Mãe de Matina e Razão d’Ser
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