Nascer na Água

O uso da água durante todas as fases do trabalho e parto pode ser útil e benéfica, contribuindo para o bem estar materno através do relaxamento e alívio do desconforto e consequentemente bem estar fetal.

Na fase ativa é promotora da dilatação, promovendo partos mais rápidos e eficazes, através não só através do relaxamento materno mas também do contributo para a facilidade com que a mulher se movimenta e adota posições verticalizadas. Na expulsão, permite uma expulsão mais lenta e suave, protegendo o períneo materno e promovendo o nascimento autónomo do bebé.

Muitas vezes, quando se fala de nascer na água diz-se que o meio aquático não é natural para o nascimento humano pensando-se muitas vezes no risco de afogamento. Por outro lado, há quem defenda o nascer em meio aquático como um nascimento mais suave.

O bebé encontra-se no ventre materno em meio aquático, passando de um ambiente aquático para outro ambeinte aquátcio. Nascendo em terra os receptores faciais para ativar o mecanismo da respiração são ativados ainda antes da expulsão total (em apresentação cefálica), nascendo dentro de água este mecanismo é retardado até ao contacto do bebé com o ar, permitindo uma transição mais suave.

Como profissional de saúde acredito na água como ajuda terapêutica durante o trabalho de parto a todas as mulheres, mas especialmente às que ambicionam um parto sem fármacos ou intervenções.

Já existiu parto na água no SNS e em hospitais privados e é lamantável que existam tantos bloqueios à existência desta oferta para todas as mulheres. 

No entanto, a água por si só não trará as mudanças ambicionadas e desejadas na assistência obstétrica nacional, é importante que todos, mulheres, sociedade e profissionais se questionem sobre o modelo obstétrico assistencial vigente e ambicionem mudar. É premente e salutar que se retome um modelo obstétrico de continuidade de cuidados, modelo seguido por parteiras, em que cada mulher é acompanhada por uma parteira durante toda a gravidez, parto e pós-parto. Não é possível ambicionar perto na água de baixa intervenção num modelo de assistência em que mulheres não conhecem os profissionais que a assistem e vice-versa.

Partos saudáveis, fisiológicos, sem fármacos ou intervenções clínicas excepto vigilância só são possíveis num ambiente em que a confiança entre mulher e profissional de saúde existe.

O parto na água está já bem estudado a nível da evidência científica, uma das fontes que pode ser consultada é http://evidencebasedbirth.com/waterbirth/, e daí pode-se seguir os diferentes links e referências sobre o tema.

Para mulheres saudáveis não há que ter receio do uso da água durante o trabalho de parto e parto, mas mesmo para algumas situações patológicas seria benéfico o seu uso. Por exemplo na maternidade de Oostend na Bélgica com mais de 40 anos de parto na água, já assistem partos na água em situações de bebés macrossómicos (bebés >4kg), gémeos, pélvicos, hipertensão arterial, pré-eclampsia e até após induções. São facilmente percebidos os benefícios nos casos de hipertensão arterial, já que a imersão em água quente diminui a tensão arterial e promove a diurese.

Os benefícios são múltiplos e vão muito para além do possível alívio natural dos desconfortos ou dor associada ao trabalho de parto.

O parto é um evento límbico cuja função é garantir que a mãe se apaixona pela cria promovendo a sobrevivência desta. Este tipo de parto permite que mais mães e bebés usufruam de um cocktail hormonal associado ao parto fisiológico – parto que decorre apenas e só sob o cocktail hormonal da mulher. Este cocktail é responsável não só pela evolução saudável do trabalho de parto mas também é garantia que mãe e bebé se reencontram no exterior após a ligação intra-uterina apaixonando-se imediata e perdidamente.

A vigilância do bem estar fetal não fica comprometida pelo uso da imersão em água durante o trabalho de parto. Nos partos fisiológicos (sem uso de fármacos ou intervenções), a monitorização intermitente por doppler é suficiente e tranquilizadora.  Em caso de dúvidas sobre o bem estar fetal deve ser usada a cardiografia contínua (CTG), se disponível aparelho com telemetria (sem fios) e sondas impermeáveis a mulher pode continuar dentro de água, caso contrário o parto deverá continuar fora de água para que o bebé possa ser monitorizado.

Não se sente falta de meios técnicos no caso de parto na água, se realmente há suspeita de que será necessário intervir, o parto deve ocorrer fora de água. A monitorização não é menor, é igual a monitorizar um parto fisiológico fora de água, os profissionais portugueses sentem-se inseguros quando se fala em monitorizar o bem estar fetal de forma intermitente porque trabalham praticamente em exclusivo com partos medicalizados e portanto nesses casos a monitorização tal como é realizada (contínua) é necessária e recomendável

No caso de evolução difícil e prolongada, normalmente relacionados com estado emocional materno alterado ou maus posicionamentos fetais, situações  habitualmente mais frequentes em prímiparas (tal como acontece em partos em que não é usada a água) e nos quais seja necessário intervir, então a imersão pode ser interrompida e passa a ser uma assistência como habitualmente.

Mais importante que a monitorização intra parto da frequência cardíaca fetal, é avaliar os sinais de saúde ou de alarme que a mulher manifesta ao longo de todo o processo. Quando a enfermeira parteira acompanha e conhece a mulher a desde a gravidez, conhece a personalidade, os medos, as forças e as fraquezas, conseguindo assistir em perfeita segurança aquele parto.

O risco de afogamento do bebé e o risco de infeção tão insistentemente associados ao parto não passam de mitos quando as condições de segurança estão garantidas, nomeadamente, banheira com profundidade adequada e proteção de uso único e água potável (entre outras).

Um parto na água é um parto fisiológico sem intervenções médicas à exceção da vigilância e assistir um parto sem intervir é sem dúvida uma arte, quando fomos ensinados e treinados a intervir, como se intervir fosse garantia de salvamento de vidas. No nascimento a intervenção quando indicada, sem dúvida que salva vidas, mas quando desnecessária condena a saúde imediata e futura, podendo mesmo significar perda de vidas humanas.

Tem curiosidade sobre este tema? Espreite os relatos de parto publicados no nosso site e/ou o nosso canal youtube.

Autor: Sónia Barbosa da Rocha

Enfª Especialista em Saúde Materna e Obstetrícia

Formação Especializada e vasta experiência em Parto na água

Fotos:

www.magicfotografia.pt

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