O Nascimento do Kael 26.05.2018 (Pais Aline e Rafael)

4h14 da manhã acordo sentindo minha bolsa estourar! Impossível descrever o que senti naquele momento, um misto de felicidade com ansiedade, animação e também um pouco de medo do que estava por vir. Acordei o Rafael e falei: Amor, minha bolsa estourou, nosso Kael está vindo! Ele me olhou extremamente alerta e falei: dorme mais um pouco pois vou precisar de você mais tarde. Antes de dormir ele enviou um email para nossa enfermeira parteira avisando que a bolsa havia estourado, mas que ainda não haviam contrações.


Pensei em dormir, afinal de contas era importante guardar energia. Mas, ao invés de dormir fiquei me deliciando com o filme que passava em minha cabeça. A descoberta da gravidez, as pesquisas que fizemos, as pessoas fantásticas que conhecemos nesta busca, a preparação física e psicológica para este momento, o quanto nos conhecemos mais profundamente e aquele amor que crescia juntamente e dentro do meu corpo. Este momento foi como o primeiro sinal que é dado para avisar ao público que o espetáculo vai começar. É o momento de todos procurarem seus lugares para se acomodar pois já não falta muito para o show.

Não havia passado muito tempo, e perto das 5h30 a luz volta a piscar, dando o segundo sinal. A plateia já fica ansiosa e os artistas ficam mais focados para sua performance. Foi neste momento que senti a primeira contração. Parecia uma cólica, com uma dor tranquila e com um corpo se transportando para o espetáculo. Para minha surpresa, não tive os pródromos, tão comuns para um primeiro parto. Não houve um espaçamento longo entre as contrações. Para ser mais exata no início foram 4 min, 3min, 6min, 8min, 10min, 10min, 6min, 4min e a partir daí o máximo de intervalo entre uma contração e outra foi de 5 minutos. Mas ok, a dor  era tranquila de suportar e cada vez me conectava mais com o Kael.

O Rafinha preparou uma linda mesa de café da manhã para que eu acumulasse energia, pois sabíamos que este processo poderia ser longo e desde então ficou ao meu lado, participando, ajudando, silenciando quando preciso e extremamente conectado com nosso momento. A mesa estava mesmo linda e cheia de opções deliciosas, pena que juntamente com a tradicional dor de barriga que vem para limpar o corpo também vomitei (achei até bom neste momento por pensar que era uma limpeza mais profunda).

Por volta das 8h nossa enfermeira Sonia me enviou uma mensagem para saber como estavam as coisas pois como só havíamos enviado email, ela só tinha visto naquele momento. Expliquei que ainda estava tranquilo. Apesar dela morar a 1h30 de distância não achava necessário que viesse ainda, pois tinha a sensação que ainda levaria bastante tempo. Enquanto isso ia dançando, andando, conversando com o Kael e quando a dor intensificou fui para o chuveiro quente.

Deviam ser por volta das 11h quando o terceiro sinal foi dado. A luz mais uma vez piscou e tanto artistas como plateia ficaram atentos, pois o espetáculo de fato iria começar. As contrações estavam com intervalos menores e mais intensas. Pedi que o Rafinha ligasse para a parteira e pedisse que viesse, pois eu sentia que a partir dali precisaria de ajuda. Com toda a experiência que ela tem, sabia que não seria tão rápido e perguntou se queríamos que a segunda enfermeira obstétrica viesse na frente. Gostei da proposta e pedi que viesse. Neste meio tempo já não tinha mais noção de tempo, conversava profundamente com o Kael, ouvia a trilha sonora que eu e o Rafinha preparamos com tanto cuidado e amor e ia entendendo meu corpo e meus sentimentos a cada contração, que estavam cada vez mais fortes. Neste meio tempo em que sentia meu corpo se transformando, tive dificuldade em obter energia, pois tudo (sim tudo mesmo, desde uma cereja ou uma castanha ou uma pequena mordida de chocolate ou até mesmo água) que eu ingeria, em poucos minutos eu simplesmente vomitava.

Por volta de 13h30 (na verdade não tenho a menor ideia de que horas eram, acho que alguém me falou que foi por este horário) a Joana, a segunda parteira da equipe chegou juntamente com a Rosa, a fotógrafa que estava registrando o processo de receber nosso Kael.

Aí o espetáculo começou mais intensamente. Fui avaliada e estava com 5 cm de dilatação , o que era uma ótima notícia. Me senti mais segura em ter acompanhamento profissional, afinal de contas mesmo acreditando que parir é um processo natural e fisiológico do nosso corpo ainda tinha enraizado em mim alguns medos do desconhecido (deste lindo desconhecido).  A banheira foi montada e como foi bom! Como a água quente alivia a dor e relaxa o corpo! Eu conversava com Kael, cantava e o Rafinha sempre ao meu lado me massageando, trazendo diferentes opções de coisas para eu tentar comer e me apoiando. Digo tentar porque o padrão de mais cedo se repetia, tudo que eu colocava para dentro, em poucos minutos eu vomitava. Estive longe, na tal partolândia que dizem e foi mesmo lindo, intenso e vivo, mas também estive acordada em outros momentos, onde buscava formas de desligar meu lado racional para me entregar inteira à experiência.

O tempo foi passando e tudo ficando mais intenso, tanto quando eu estava entregue como quando eu   “acordava”.  Sentia meu corpo abrir, sentia o Kael descer, sentia mais dor, me vi ter momentos de dúvida e me perguntar pra quê este sofrimento ao invés de ir pra um hospital e resolver logo isso. E me respondia firmemente que sabia pra quê isso, que era parte do processo e que estava sendo lindo me sentir e me conhecer tão profundamente além de ser muito melhor e mais saudável para mim e para o Kael. Isto foi interessante para mim, pois não há como se preparar para a dor do parto. E me senti forte ao querer continuar, ao querer viver isso.

              Não tinha mesmo mais noção do tempo e não vi quando nossa enfermeira parteira chegou, apenas em algum momento vi que ela já estava lá.  Lembro de em algum momento estar com 7 cm de dilatação e depois com 8 cm. Porém meu colo do útero tinha um edema e isto estava dificultando o processo.  Me sentia um pouco fraca, pois continuava colocando para fora tudo o que eu comia.

              A equipe foi muito querida, fazendo massagens, me examinando sempre de maneira muito delicada e sempre, sempre observando como estava o Kael (que por sinal esteve bem o processo inteiro), pois acima de tudo, ele nascer bem sempre foi a prioridade.

              Foi ficando mais difícil suportar a dor, pois além da intensidade crescer me sentia cada vez com menos energia por não conseguir comer. Sim, continuei vomitando… Não tenho ideia de quantas vezes foram durante o dia… Busquei me conectar com o sagrado feminino, ouvi meditações, respirava, cantava as músicas da trilha, dançava, conversava com o Kael, gritava, sentia… Pedia ajuda a cada contração e tanto o Rafinha como a equipe apertavam minha lombar da forma que eu pedia e aliviavam minha dor… Me preocupei ao ver as parteiras conversando baixinho entre elas e me tranquilizei quando me explicaram que estavam conversando sobre a melhor maneira de me ajudar e que o Kael estava ótimo.

Em algum momento vieram me avisar que já faziam 18h que a bolsa havia rompido e que pelo protocolo era o momento de ir ao hospital. Não era um ultimato, pois estava tudo tranquilo, mas eu precisava saber disso para pensar no assunto. Decidi prontamente continuar em casa. Sentia o Kael descer, sentia meu corpo abrir, queria sinceramente viver aquilo. Fui lindamente respeitada e apoiada e continuamos com o processo em casa. Tentamos rebozo, inversão, diferentes posições para ajudar na passagem do Kael, mas a situação não parecia mudar.

O Rafael, meu amor, percebendo a sutileza da minha expressão de preocupação, me levou para o banheiro para ficarmos só os dois e lá me abraçou. Ficamos juntos, conectados, respiramos, falamos com nosso Kael e quando saímos o edema já havia saído. Ah, como o amor tem poder, não é mesmo? Isto vai bem além do romantismo, sendo totalmente fisiológico e liberando os hormônios necessários para aquele momento.

Tentamos diferentes posições e como foi lindo olhar em seus olhos e ver que mesmo quando eu parecia não acreditar ele continuava acreditando. Acho que ele nunca vai entender o quanto foi importante pra mim tê-lo ao meu lado neste dia!

Vimos que eu estava completamente dilatada e o Kael bem baixo, era a hora de empurrar! O Rafinha trouxe água com açúcar para me dar energia, mas mais uma vez coloquei tudo para fora. Tentamos na água, em pé, de cócoras e no banquinho, onde realmente achei que conseguiria. Mas minha energia física estava realmente se acabando e comecei a achar que ia desmaiar.

Nesse momento tudo de fato mudou pois tive medo de fazer mal ao Kael, tive medo de estar insistindo em algo por teimosia e me lembrei que com 38 e com 39 semanas tive dois diferentes pesadelos nos quais o Kael nascia morto (acho que os sonhos foram uma maneira de tirar e trabalhar meus medos inconscientes). Me entreguei ao medo e com isso me desconectei, logo a dor foi potencializada absurdamente. Perguntei se as enfermeiras tinham algo pra dor e elas falaram que não. Resolvi ir para a maternidade, mas queria chamar uma ambulância pois achava que precisava urgente de algo para dor. Me explicaram que ninguém me daria nada na ambulância e que seria melhor ir de carro.

O espetáculo estava chegando ao fim e percebi que apesar de uma linda atuação não daria conta de fazer os 32 fouettés da coda, seria preciso improvisar. Eu havia sentido tantas coisas lindas! Percebi o Kael descendo, meu quadril se abrindo, meu sacro afastando e até mesmo meu cóccix virando para permitir a passagem do pequeno. Mas ok, não ia rolar os fouettés…

O Rafinha me ajudou a me vestir e fomos de carro, ele dirigindo, eu ajoelhada no chão atrás do banco do passageiro e a Sonia no banco de trás me ajudando com massagens e palavras. A maternidade é bem perto de nossa casa, mas eu tinha a impressão de nunca chegar. Ah! Uma observação muito importante: os batimentos do Kael continuavam ótimos, em momento algum ele esteve em sofrimento.

Estava com medo da violência obstétrica e pedi várias vezes pro Rafinha não deixar fazerem episiotomia em mim. Ele nos deixou na entrada da emergência e foi estacionar o carro. A Sonia entregou minha carteirinha de residente para o registro e foi explicar para a equipe de enfermeiros em que pé estávamos.

Neste momento uma espécie de pânico se instalou na equipe e tenho a impressão que perderam a capacidade de ouvir! Não entenderam que o Kael estava ótimo e que eu precisava de algo para dor para me acalmar. Ficaram nervosos pelas 20 horas de bolsa rompida e na minha opinião não respeitaram a profissional que estava ali comigo e que havia sido extremamente responsável em todo o processo. Mais do que isso, não me respeitaram como mulher que tem o direito de decidir sobre seu corpo, nem como ser humano. Repito: ali não havia situação de risco, o parto corria bem, porém eu não tinha mais energia. A enfermeira chefe da equipe me agarrou forte pelo braço e tentou me colocar em uma cadeira de rodas falando nervosa que tínhamos que ir.  Puxei meu braço me soltando dela e perguntei porque ela estava me tratando mal. Ela ficou bem surpresa, parou e disse que nunca tratou ninguém mal… Falei que não queria sentar pois isso pressionaria meu cóccix e teria mais dor, então entrei na sala de parto andando. Lá dentro foi bem tenso, pois eu pedia (gritava na verdade) pelo amor de Deus por algo para dor ou então por uma cesária (sim, cheguei a esse ponto! Kkkkkkkkk) mas eles falavam que não daria tempo. O Rafinha segurava na minha mão e isso me dava forças. Ele juntamente com a Sonia tentavam conversar com a enfermeira, que parecia querer “mostrar quem mandava ali”. Um enfermeiro (ou residente, não sei) começou a pressionar meu abdômen com o braço querendo empurrar o Kael para minha vagina. Foi necessário que eu arrancasse o braço dele duas vezes e gritasse para ele parar pois estava me machucando para que ele deixasse a sala.

Em um momento tenso a enfermeira decidiu que era necessário fazer a episiotomia (claro, haviam me colocado em posição ginecológica, como o bebê passaria?) O Rafinha chorou pedindo pra não fazer pois eu não queria. A Sonia falava no meu ouvido: se concentra em ajudar seu filho a nascer e esquece o resto…

Falei para o Rafinha que estava tudo bem e comecei a sentir uma dor descomunal, como se a enfermeira tivesse enfiado as duas mãos inteiras dentro de mim e estivesse arrancando meus órgãos. Ali, em meio aos gritos tive a certeza que iria apagar. Mas, o meu amor, mais uma vez fez toda a diferença ao me dizer: aguenta amor, eu estou vendo a cabeça do nosso filho… nosso filho está vindo… Meus olhos se enchem de lágrimas cada vez que lembro deste momento.

Rapidamente, o Kael apareceu e foi colocado entre meus seios, e eu que estava aos berros segundos atrás, espontaneamente comecei a cantar calmamente um anjo do céu pra ele, que logo parou de chorar… foi (e ainda é) inacreditável a sensação de estar com ele nos meus braços.

Ficamos chateados pois a enfermeira não quis esperar o cordão parar de pulsar e cortou logo que o Kael saiu (ainda me pergunto por que ela fez isso) mas ficamos felizes porque tive pele a pele com ele por cerca de 1 hora (enquanto eu levava os pontos e enquanto ele mamava).

Apesar de tudo que aconteceu eu estava simplesmente maravilhada em receber nosso pacotinho de luz e amor!

Este espetáculo acabou de uma maneira inesperada, mas apesar da violência obstétrica penso que posso ter plantado uma sementinha… que talvez contribua para que aquela equipe abra um pouco mais a cabeça e o coração para aos poucos ir mudando e tornando os próximos partos mais humanizados. Talvez eu pense assim para conviver mais fácil com o que aconteceu, não sei!

Só sei que estes momentos lindos (alguns menos lindos) e intensos (todos kkkkkk) deram início ao espetáculo da vida do Kael!

E, se um dia você ler este relato meu filho, saiba que o que mais te desejo é que você seja muuuuuuito feliz!

Quer saber mais sobre Parto no Domicílio e/ou Parto na água, marque consulta para acompanhamento contínuo por parteira.

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